Você já teve a experiência de conversar em um outro idioma e não conseguir exprimir suas ideias com clareza? Esta é a realidade do estrangeiro.
Sou apaixonado por aprender a falar novas línguas. Cresci e amadureci na língua portuguesa, como é natural aqui no Brasil. Nos anos 80, para aprender programação de computador, tive acesso a livros em inglês, o que me forçou a desenvolver este novo idioma, além das próprias linguagens de programação. Ao viver por alguns anos na Flórida, além de praticar bastante o Inglês, pude aprender um pouco de espanhol, dada a grande comunidade latina na região. Pelos meus laços de família, a língua italiana também se apresentou como meu quarto idioma e fiquei muito feliz em viajar pela Itália me comunicando com os habitantes com alguma capacidade e desenvoltura. Como tudo isso virou uma cachaça, desejei aprender francês e consegui um nível básico de compreensão. Recentemente, me aventurei pelo Russo, mas sem muito sucesso, é verdade. Uma gramática até mais simples, mas sem muita oportunidade para praticar.
Em minhas experiências com estrangeiros, posso confirmar que todos ficam muito felizes ao receberem turistas que se esforçam para, ao menos, cumprimentá-los em sua língua ou simplesmente dizerem na língua estrangeira que não falam bem aquele idioma. Até mesmo quando recepcionamos um turista internacional e nos esforçamos em saudarmos nossos visitantes em seu idioma, eles se sentem muito gratos e acolhidos. É uma atitude, no mínimo, simpática.
Agora, uma coisa que muito me incomoda ao conversar em outro idioma é quando eu preciso me expressar e não encontro as palavras adequadas ou, até mesmo, não estou tão habituado com a correta gramática. O grande problema do meu ponto de vista é a imagem inferior que transmitimos quando cometemos erros gramaticais ou de ortografia ao nos comunicar, mesmo que haja toda gratidão e prova de empatia ao nos esforçarmos tanto para sermos compreendidos. A imagem que transmitimos é de uma pessoa mais limitada, que não se comunica bem. A dificuldade na comunicação está subliminarmente ligada à percepção de baixa inteligência. É inevitável que sejamos percebidos como um tanto ignorantes ou incapazes. Com certeza, somos ignorantes daquele outro idioma, isso é certo.
Enquanto alguns estrangeiros serão mais gentis e receptivos, outros irão ficar sem paciência ou nos julgar inferiores.
Lembro-me da minha frustração inicial nos EUA ao conversar com um novo amigo americano e tentar explicar, em palavras de seu idioma, aquilo que eu estava sentindo e como eu enxergava uma determinada situação. Eu me sentia um neandertal que não tinha vocabulário e nem uma boa gramática. Quando eu pronunciava alguma palavra de forma errada ou dizia alguma bobagem, era normal que as pessoas rissem de mim e comentassem de forma pejorativa. Com o passar dos anos, tudo ficou mais fácil e já conseguia me expressar bem melhor, é verdade.
Ao nos aventurarmos em novas línguas, devemos saber que a fluência e a proficiência demandam imersão no idioma e muita prática, além da leitura e da escrita. A paciência e o esforço individual serão recompensados com a ampliação de sua criatividade e um sentimento impressionante de liberdade e flexibilidade que a comunicação entre diferentes povos pode nos proporcionar, entendendo e sendo entendidos.
Entretanto, um efeito que temos observado nos últimos anos entre os falantes naturais de todos os idiomas, principalmente nas gerações mais atuais, é a perda significativa da fluência, do vocabulário e da gramática em sua própria língua-mãe. As pessoas já têm enorme dificuldade para formar frases mais longas e orações mais complexas, demonstrando uma relevante dificuldade em exprimir suas ideias através de seu idioma nativo. As falas estão ficando mais curtas e menos reflexivas. É como se estivéssemos voltando aos primórdios de nossa comunicação há milhares de anos.
Para se criar uma proficiência até mesmo em nosso idioma materno, é recomendado que haja o diálogo, a construção de sentenças completas e claras. É vital que a subjetividade seja tratada com tanta importância quanto a objetividade. O poder de síntese na comunicação tem o seu valor, mas não pode suplantar a boa retórica e narrativa que nos capacitam a transformar nossos sentimentos em palavras.
Percebemos que o avanço dos conteúdos muito curtos como vídeos de poucos segundos, stories extremamente sintéticos e conversas rasas nos aplicativos de mensagens têm reduzido o interesse da sociedade em absorver conteúdos mais longos e que demandem alguma reflexão maior. As pessoas estão cada vez mais impacientes. Parece-me que tudo tem que chegar de forma muito mais rápida e resumida, mastigada, salivada e engolida com características muito pouco nutritivas, como um alimento preparado muito rapidamente e sem muito valor nutricional.
O uso da Inteligência Artificial
O novo retrocesso que já estamos vivenciando é o uso precoce da inteligência artificial para se produzir qualquer texto, comentário ou trabalho. Se o aluno na escola já começar a empregar uma ferramenta como Co-Pilot, Gemini ou ChatGPT para fazer o que ele deveria estar fazendo fruto de sua própria compreensão e reflexão, o problema que encontraremos não está ligado à qualidade inferior ou não do trabalho entregue, mas sim ao desenvolvimento cognitivo que só seria alcançado com a imersão na linguagem e o esforço de leitura e escrita.
Da mesma forma que uma calculadora simples pode realizar uma conta de soma, subtração, multiplicação ou divisão de forma muito mais veloz do que no papel, o prejuízo da utilização da máquina ou do aplicativo está relacionado à perda de todo o processo matemático envolvido. O aluno não é um adulto formado que deve se orgulhar de empregar a tecnologia para acelerar os resultados. O aluno não é um profissional que deve entregar o máximo de eficiência no menor prazo. O aluno é alguém que tem de passar pelo processo de desenvolvimento dos fundamentos da matemática, da tabuada, das frações, da solução de equações, da resolução de sistemas mais complexos. É tudo isso que irá construir sua fluência neste outro código linguístico em questão. Se a calculadora, a planilha eletrônica ou o ChatGPT forem utilizados para entregar a solução sem passar pelo processo, o maior prejudicado será o próprio estudante que ficará cada vez mais debilitado naquela área de estudo.
Encontramos equivalência com a construção dos códigos da linguagem, saber conjugar verbos nos modos indicativo, subjuntivo e imperativo, tempos verbais corretos, pronomes adequados, conjunções e preposições. Tudo isso parece desnecessário hoje em dia. Alguns dizem: “Isso não interessa. O importante é ser compreendido”. Esquecem-se de que o pensamento é fruto da linguagem. Nós raciocinamos em uma língua, através de um conjunto de signos e significantes que constroem nossos algoritmos conscientes e inconscientes. Quanto mais rica for a nossa linguagem, mais catalisados serão nossos processos cognitivos e nossa inteligência será expandida.
Como resultado do imediatismo e da terceirização da inteligência, já estamos tendo uma geração que conseguiu reduzir, pela primeira vez na história, o seu Quociente de Inteligência (QI) em relação à geração anterior. Em resumo: as pessoas estão mais burras. Para se mitigar este problema, devemos receber estímulos à leitura de obras literárias e o afastamento de uso excessivo e tóxico de redes sociais, que são orientadas à busca por satisfação imediata, dopamina barata e pensamento de curto prazo.
Nossa sociedade tem condições de melhorar sua inteligência e suas capacidade, mas precisa de bons exemplos e bons conselhos, nos incentivando mutuamente ao desenvolvimento de nossa comunicação interpessoal, leitura e escrita de qualidade, escapando das respostas monossilábicas, ampliando nosso vocabulário e enriquecendo nossa gramática, para que não nos tornemos estrangeiros em nosso próprio idioma.